O Homenzinho



Era uma vez, em uma terra não tão distante, um homenzinho que vivia sua vidinha. Acordava cedo, vestia seu terno cinza, colocava seu chapéu também cinza, comia mecanicamente seu café da manhã, enquanto lia o jornal que trazia as tragédias do dia e saía de casa para ir trabalhar. Caminhava para o trabalho, pensando em todas as coisas que tinha para fazer, no trabalho que insistia em se acumular e em seu chefe que estaria, como sempre, furioso por causa disso. Absorto consigo mesmo, caminhava sem dar atenção as coisas e pessoas ao seu redor, olhava para o chão ou para os próprios pés, limitando-se a ocasionalmente dar uma olhada para o lado, só para poder constatar que o trânsito estava novamente engarrafado e que ele tinha feito bem em sair a pé, assim poderia chegar cedo ao trabalho. E então ele chegava ao trabalho, trabalhava e ouvia as reclamações costumeiras do chefe. No fim do dia, voltava para casa, jantava, assistia televisão e ia dormir, para no dia seguinte, começar tudo outra vez.

Um dia, seu chefe pediu-lhe que ficasse até mais tarde para por uma certa papelada em dia. Ele ficou. Não tenho nada melhor para fazer mesmo. Trabalhou, trabalhou, trabalhou. Quando enfim, havia acabado,já era tarde da noite, deixou os papéis na mesa do chefe e dirigiu-se para o elevador. No meio do caminho de descida, as luzes apagaram, o elevador fez um barulho estranho e parou. Malditos apagões... quanto tempo será que este vai durar? Ele esperou, esperou e esperou. Nada. Olhou para a cidade, envolta em escuridão completa, à essa hora não havia mais carros circulando. Poxa, esse foi dos grandes, apagou a cidade toda... Ei, espera, esse elevador sempre teve vista panorâmica? Preso ali, impotente, sentiu que não havia trabalho no qual pensar, nem problemas, nem nada. Sem o peso das obrigações e da rotina que forçavam sua cabeça a olhar para baixo, sentou-se no chão do elevador de frente para a cidade. A escuridão tinha o tamanho do mundo. Percebeu então que, no céu, pequenos pontos de luz pareciam cantar para ele uma melodia silenciosa. Incrível, nunca tinha percebido a quantidade de estrelas que se pode ver à noite.Não é para menos, as luzes constantes da cidade ofuscam grande parte do brilho das estrelas.


O homenzinho começou então a pensar em tudo o que ele gostaria de fazer, na esposa que nunca teve, na família que não via há tempos, na vontade de viver e experimentar que um dia tivera. Por que mesmo havia se esquecido de todas essas coisas durante tanto tempo? Não conseguia se lembrar. Não agora, embalado pelo som silencioso das estrelas. Foi então que sua atenção foi atraída por um longínquo ponto de luz na cidade, que foi se espalhando mais e mais. À medida que a cidade se acendia, as estrelas se calavam. A luz do elevador piscou duas vezes e se acendeu de vez. O elevador, com outro barulho estranho, voltou a se mover. Ah... A luz voltou... Que horas são? Nossa, está tarde, preciso ir para casa dormir. Amanhã acordo cedo para trabalhar.

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Eu acho que ando lendo Neil Gaiman demais, estou viajando mais do que o normal esses dias...